Opinião: Futebol carioca dá uma ideia de qual é o valor da liberdade
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Imagem / Reprodução |
Há um ano, o futebol no Rio de Janeiro viveu uma situação inusitada. O Flamengo decidiu recusar a proposta de R$ 18 milhões feita pela Globo para a compra dos direitos de transmissão em todas as mídias do Campeonato Carioca de 2020. O clube queria R$ 81 milhões pelos mesmos direitos, alegando que esse era o valor proporcional que tinha a receber da venda de pacotes do pay-per-view, que nunca havia entrado na conta dos direitos de mídia dos Estaduais.
O modelo que vinha sendo utilizado há cerca de 20 anos pela emissora era, pela primeira vez, contestado por um dos 12 clubes de maior torcida do país. O desenrolar dessa discussão se tornou notório e completamente inesperado.
Em fevereiro e março, os jogos do Flamengo no Cariocão não tiveram nenhuma transmissão de imagens, até que veio a pandemia, a paralisação do campeonato, a MP 984 em 18 de junho e, no retorno do Carioca, o Flamengo utilizou-se da brecha criada pela nova legislação em vigor para poder transmitir por conta própria seus jogos como mandante. Foi um jogo com sinal liberado no canal do time no YouTube, uma venda de PPV fracassada por falha do sistema em parceria com o MyCujoo e, por fim, a conquista do título estadual transmitida pelo SBT, no primeiro afago da emissora ao futebol após décadas.
A liberdade do esporte de escolher com quem fechar contrato de mídia e, mais do que isso, de que forma distribuir esse conteúdo, é um desejo do Portal Máquina do Esporte desde sua fundação, há 16 anos. É inegável que vivemos na era paleozoica do marketing esportivo em parte porque nos acomodamos, no Brasil, a um modelo em que a mídia é quem passa a ser dona do conteúdo produzido pelo esporte, enquanto deveria ser apenas um dos meios de reprodução desse material.
Se os Estados Unidos, principal referência da relação mídia e esporte fazem desse jeito há 70 anos, é assim que o mundo inteiro deveria fazer.
O Brasil dormiu em berço esplêndido por décadas e, pior ainda, decidiu culpar seu maior financiador, pela própria incompetência. O problema da falta de opções do esporte brasileiro não é a existência da Globo, mas a incapacidade dos gestores esportivos em colocarem a questão da produção e distribuição do conteúdo como ponto principal para o fortalecimento de suas marcas e competições.
A bomba que o Flamengo explodiu dentro do Campeonato Carioca em 2020 tem agora seu melhor reflexo. A edição de 2021 do torneio será a primeira do futebol em que os clubes e a Ferj serão os donos do conteúdo.
Só que essa ruptura de um modelo arcaico e ultrapassado tem, naturalmente, um preço. E, na última semana, clareou-se o cenário para isso. A máxima proposta feita pela Globo pela transmissão do Campeonato Carioca de 2021 foi de R$ 45 milhões, com o adicional de que os clubes deveriam encerrar a disputa judicial pelo fim antecipado do acordo de transmissão do torneio em 2020, após todo o enrosco com o Flamengo e a MP.
Os clubes recusaram a oferta, que já representava metade do que a Globo havia pago pelo Estadual do ano passado, com a diferença de que o Flamengo estava contemplado na transmissão deste ano.
O motivo? Além da perda de receita que poderá existir no caso de vitória nos tribunais, os clubes estariam desistindo da liberdade de escolha de onde mostrar seus jogos e de que forma comercializar essas partidas.
Para adotar a carreira solo, o Campeonato Carioca reduziu o valor fixo que fatura com o torneio. Na TV aberta, a Record pagará R$ 11 milhões pelos direitos exclusivos em 2021 e mais R$ 15 milhões pela edição de 2022 da competição. Em acordos com plataformas de streaming e operadoras de TV a cabo e telefonia móvel, a expectativa é de faturar pelo menos R$ 30 milhões com a venda de pacotes de PPV.
No final das contas, a liberdade cobrou seu preço. Em vez de R$ 120 milhões que teriam, por contrato, em 2021, os clubes viram surgir uma briga na Justiça, receberam e recusaram a oferta de ter R$ 45 milhões em 2021 e, agora, só podem garantir R$ 11 milhões para ceder a transmissão de uma partida por rodada. O restante terá de vir do PPV, que num cenário de pandemia e crise econômica, virou uma grande incógnita.
O Campeonato
Carioca deu um enorme passo para mostrar o futuro. O problema é que existe uma
conta a ser paga para chegar até ele. É preciso saber se o futebol está
preparado para ver a sua principal fonte de receita ficar pelo menos duas vezes
menor de um dia para o outro.
Por redação do Portal Máquina do Esporte
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