OPINIÃO: O streaming é a nova versão do sócio-torcedor?
Grêmio Play promete oferta de filmes, séries e, claro,
material sobre o clube gaúcho – Imagem / Divulgação
Durante a última década, o futebol brasileiro viu, nos programas de sócio-torcedor, sua tábua de salvação para gerar uma fonte de receita recorrente para além do patrocínio, da televisão e da venda de jogadores. Invenção genuinamente tupiniquim, o sócio-torcedor aproveitou-se lá no começo dos anos 2010 do bom momento na economia brasileira, da expectativa pela Copa do Mundo e da reforma e inauguração de alguns estádios para criar um modelo único de geração de receita.
Longe de ser
perfeito, os programas de associados precisavam de uma mudança de rumo para
continuarem eficientes. Com a novidade sobre os estádios caindo e a economia do
país em declínio, era natural que o torcedor repensasse a necessidade de pagar
uma mensalidade para ter benefício na aquisição de ingressos para jogos.
Como a
oscilação nos programas de sócios não era tão significativa assim, os clubes
seguiram tocando o barco sem se preocupar com a tempestade que estava lá na
frente. A pandemia, porém, levou esse barco para o meio do caos.
Com uma
lógica de negócios baseada na aglomeração de pessoas, o sócio-torcedor não tem
razão de ser se não mudar radicalmente a oferta que faz para os seus clientes.
Se, antes, a necessidade de mudança era para manter o barco em águas menos
agitadas lá para frente, agora ela veio como uma manobra desesperada para não
afundá-lo de vez.
E o que
fizeram os clubes? Se, há dez anos, o modelo de venda privilegiada de ingressos
parecia fazer sentido por toda a conjuntura socioeconômica do Brasil, agora é a
criação de uma plataforma própria de streaming que se mostra como a aposta da
vez.
Não por
acaso, desde o ano passado, quando o Bahia lançou o seu Sócio Digital, que os
clubes começaram a correr atrás de modelos de negócios para ofertar conteúdo
pago a seu torcedor. A ideia, neste 2020 que não acaba nunca, parece correta.
Com as pessoas passando muito mais tempo dentro de suas casas e em frente de
telas, consumir no tempo livre conteúdo do time de coração tem todo sentido. O boom da oferta de streaming no Brasil é uma
mostra de que esse é um novo hábito de consumo que criamos na pandemia e que é
cada vez mais natural para nós pagarmos uma mensalidade em troca de acesso a
conteúdo em áudio, texto e vídeo.
O problema é
que esse hábito já vai mudar. Se, há um ano, praticamente havia uma dúzia de
serviços de streaming para assinarmos no Brasil, agora a oferta é de, pelo
menos, duas vezes mais plataformas. E crescendo... Naturalmente, a conta já
começa a chegar no bolso do consumidor. Ter de pagar para ver é uma realidade,
mas quanta verba e quanta disposição existirão para isso?
Nos EUA,
vanguarda no consumo de mídia, toda a oferta de conteúdo migrou para o
streaming. Mas qual o modelo de negócios que começa a vingar? Em vez de pagar
pelo serviço, ele tem sido ofertado como bônus para aquisição de outros
produtos ou serviços. Eu fecho o seguro do carro e ganho alguns meses de
assinatura da plataforma X. Eu compro um computador e ganho de bônus um ano do
streaming H. Esse modelo também começa a chegar no Brasil, mas ainda embarcado
em forma de combo dentro das próprias plataformas e na assinatura de planos de
internet.
O que isso
tem a ver com o futebol? Tudo. O mar de águas tranquilas do streaming já começa
a ficar cheio de tubarão. Um ciclone extratropical também se aproxima. É
preciso repensar, antes mesmo de lançar, esse modelo. Se não, ele vira um novo
sócio-torcedor. Com um problema ainda maior. O ciclo de vida desse produto
tende a ser muito mais curto.
Por Erich Beting / Portal Máquina do Esporte
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