Ele foi o Rei do futebol e do marketing
Foto: Reprodução / Instagram |
Morreu nesta quinta-feira, 29 de dezembro de 2022, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Aos 82 anos de idade, o Rei do Futebol já tinha a saúde debilitada nos últimos anos por conta de um câncer. Após quase um mês internado, ele não resistiu.
A repercussão mundial da morte de Pelé mostra um pouco o tamanho que o
Atleta do Século teve para o esporte. Tudo isso só reforçou o tamanho que a
marca Pelé alcançou ao longo da história. E ajudou a mostrar por que ele, entre
tantos recordes, ostenta também o de ser o primeiro ícone mundial do marketing
esportivo.
Uma série de fatores que vão além da performance esportiva explica o
sucesso do Rei do Futebol como um produto de marketing numa era em que os
atletas começavam a deixar de lado o amadorismo e começavam a poder viver de
modestos salários com o futebol.
Além do espetacular desempenho dentro de campo, Pelé foi único fora
dele. Ele foi o primeiro atleta a se projetar como uma marca global numa época
em que quase ninguém se preocupava com isso. Ou tinha até mesmo tamanho para
conquistar o mundo como ele conseguiu.
Pelé uniu, como poucos, requisitos fundamentais para se transformar num
bom produto comercial. Além da performance esportiva, ele reunia carisma,
ficava afastado de polêmicas e foi o primeiro atleta a entender como a
propaganda faria dele alguém maior do que "apenas" o maior jogador de
futebol da história.
O começo de tudo
Em 1958, na Copa do Mundo da Suécia, o ainda menor de idade Pelé (ele
tinha 17 anos quando conquistou o Mundial) foi fotografado dentro do vestiário
brasileiro tomando um líquido numa embalagem industrializada. A foto tomando leite rodou o
mundo. Por trás dela, estava um dos primeiros patrocínios mundiais de Pelé. A
ideia da TetraPak era mostrar que embalagens industrializadas eram seguras para
conservar alimentos e poderiam ser usadas por qualquer um, inclusive pelos
melhores atletas do mundo.
Poucos meses depois do Mundial, o já maior de idade Pelé foi homenageado
com uma cachaça levando o seu nome. O negócio com a Caninha Pelé foi oferecido
a ele. E recusado pouco depois, pela associação vista como prejudicial com
bebidas alcoólicas, algo que ele manteve durante toda a sua carreira.
Fotos: Reprodução / Twitter Pelé |
Pelé foi, também, o primeiro grande esportista mundial a ter documentada
sua trajetória em vídeo. O crescimento de sua carreira acompanhou, também, a
popularização da televisão pelo mundo. E o futebol, como esporte mais popular
do mundo, ajudou a projetar ainda mais a marca Pelé globalmente.
Assim como os Beatles ganharam o mundo nos anos 60, o Rei do Futebol
consolidou sua marca e se tornou objeto de desejo e consumo por fãs em todo o
planeta.
A consagração do Rei do Futebol como marca veio em 1970, quando o
Mundial do México foi o primeiro a ser transmitido ao vivo e em cores para todo
o mundo. A conquista do terceiro Mundial do Brasil, o terceiro com Pelé em
campo, elevou-o à categoria de maior ícone do esporte. E ampliou os negócios...
Um homem de negócios
Foi depois do Tri que o Rei passou a ser não só um jogador do futebol,
mas uma máquina de gerar negócios. Após desembarcar no Brasil com a taça Jules
Rimet, um acordo com a Companhia Cacique de Café Solúvel criou o primeiro
produto licenciado com a marca dele.
Foto: Reprodução / Twitter Pelé |
Aparições em programas de TV, encontros com ícones culturais, como John
Lennon, e do esporte, como Muhammad Ali, se tornaram cada vez mais frequentes.
Hollywood, aí vou eu!
A ida para o New York Cosmos, em 1975, levou a um novo patamar a
carreira de Pelé fora dos campos. A chegada aos Estados Unidos fez com que o
mundo do showbiz se abrisse para ele. Além de diversos programas de
entrevistas, a icônica participação no filme "Fuga para a Vitória",
com os consagrados atores Michael Cane e Silvester Stallone, em 1981, coroou o
Rei do Futebol como ícone pop mundial.
Pelé passou a circular também entre os astros de Hollywood, o que fez
dele um jogador de futebol conhecido no até então praticamente inexistente
mercado americano da bola.
Foto: Reprodução / Twitter Pelé |
Nos anos 80, aposentado definitivamente dos gramados, Pelé passou a se
dedicar em construir seu império fora dos campos. Mais uma vez, a
"sorte" entrou no circuito. A TV, consolidada como maior meio de
comunicação do mundo, projetava sua imagem mundialmente. Nessa mesma época, o
marketing esportivo teve seu grande salto, e as marcas passaram a investir em
patrocínio a eventos globais, especialmente a Copa do Mundo.
Nada mais natural do que procurar o único jogador tricampeão mundial
como garoto-propaganda para falar de Copa. Foi a partir daí que a relação de
Pelé com as marcas aumentou.
A tática da garrafa de Coca-Cola
Durante todo esse período de transição do atleta para garoto-propaganda,
Pelé conservou dois princípios. Veto a qualquer publicidade de bebida alcoólica
e cigarro (que até os anos 90 era o maior patrocinador de celebridades) e a
manutenção de sua imagem o mais próxima possível àquela do período em que parou
de jogar.
"Tem dois produtos que você reconhece só olhando a silhueta. Uma
garrafa de Coca-Cola e Pelé". A frase é repetida até hoje pelo staff do
ex-jogador.
A estratégia da "garrafa de Coca-Cola" rendeu ao Rei do
Futebol contratos milionários durante décadas depois de parar de jogar futebol.
Foi também nos anos 90 que os patrocínios a Pelé se tornaram frequentes e, mais
ainda, mundiais. Depois de 1994, no Mundial nos Estados Unidos, que os negócios
proliferaram. A cada quatro anos, contratos milionários de patrocínio são
fechados para usar a imagem mais icônica do futebol.
"Não há dúvida de que estou ganhando mais dinheiro com as
propagandas do que cheguei a sonhar quando jogava futebol".
Pelé disse isso em 2002, pouco antes do Mundial da Coreia do Sul e do
Japão, numa entrevista ao USA Today. Na época, ele faturava cerca de US$ 20
milhões por ano em contratos que iam da Mastercard a Pfizer, para anunciar a
chegada do remédio contra a impotência Viagra.
Os últimos contratos
Ainda com saúde e com o plano de se "aposentar" depois da Copa
do Mundo de 2014, no Brasil, Pelé aproveitou o Mundial brasileiro para faturar
como nunca com patrocínios. Em 2012, fechou um acordo de cessão dos direitos
comerciais de sua imagem para um grupo americano de mídia. Foi o que fez ele
virar um dos maiores protagonistas do Mundial brasileiro em 2014.
Naquele ano, a marca Pelé ganhou R$ 58 milhões com publicidade. A mais
icônica delas foi a que a companhia aérea Emirates fez, unindo o Rei do Futebol
e Cristiano Ronaldo, um dos grandes ícones do esporte na atualidade. Na
campanha, CR7 era "ofuscado" por Ele.
Na Copa do Mundo seguinte, na Rússia, ele aceitou convite da Fifa para estar presente, mas a aparição no sorteio das chaves do Mundial, numa cadeira de rodas, fez o Rei parecer mais mortal do que nunca. Isso não o impediu, porém, de protagonizar novas campanhas publicitárias. Em 2019, posou para a marca de relógios Hublot ao lado de Kylian Mbappé, jovem de 18 anos recém-coroado campeão do mundo pela França e apontado por Pelé como um prodígio do futebol com uma trajetória similar à dele. Dali, inclusive, nasceu uma amizade entre os dois que sempre é compartilhada nas redes sociais.
Foto: Divulgação / Hublot |
Rei Digital
Auxiliado pela tecnologia, Pelé digitalizou sua presença. E, como sempre
aconteceu com ele, nunca deixou de ser o protagonista. O aniversário dos 80
anos, celebrado em 23 de outubro de 2020, deu uma mostra clara do poder da
marca Pelé. O mundo inteiro se curvou a ele. E, nas redes sociais, comprovou o
clichê de que o Rei nunca perde a majestade.
Pelé usou, nos últimos anos, seu perfil no Instagram e no Twitter como
uma chave para continuar jovem para o mundo. Com quase 13 milhões de
seguidores, ele ostenta uma marca impressionante. Mantém cerca de 33% de fãs
com idade abaixo dos 18 anos, de acordo com levantamento da consultoria Decode.
Além disso, metade do público que o reverencia nas redes é de fora do Brasil.
Quando Pelé completou 80 anos de idade, as mensagens de "feliz
aniversário" infestaram as redes sociais e a mídia em todo o mundo, num
alcance estimado em mais de 110 milhões de pessoas só no dia 23 de outubro.
O crescimento digital de Pelé fez dele, também, um ícone para as marcas
desse ambiente. Em junho de 2021, Pelé fez uma ação com Mark Zuckerberg,
fundador do Facebook. Numa conversa de vídeo, o Rei do Futebol pergunta ao
"Rei do ZapZap" como fazer para enviar pagamentos para amigos na rede
de trocas de mensagens.
O mundo preparou o
adeus
A piora em seu estado de saúde neste ano de 2022 e a consequente
internação durante a Copa do Mundo do Catar mostraram uma corrente nunca antes
vista de oração e manifestações de melhoras para Pelé.
Astros como Messi, Mbappé e Neymar usaram suas redes sociais ainda
durante a disputa do Mundial para pedir Força e orações para o Rei do Futebol.
Foi mais uma manifestação da grandiosidade de Pelé.
Foto: Reprodução / Twitter @FIFAWorldCup |
Mas mostrou como Pelé foi generoso com o fã até na hora de partir. Assim
como foi de pênalti o milésimo gol marcado por ele na carreira, permitindo que
todos parassem para acompanhar a marca histórica, sua morte seguiu um roteiro
parecido. Tivemos tempo para nos preparar para o dia que nunca imaginávamos que
chegaria.
Morreu Pelé, o Único Rei do Futebol. O homem que transformou o futebol
em um produto global. Um dos poucos, se não o único, a ser uma unanimidade.
Obrigado, Pelé.
Por Erich Beting / Portal Máquina do Esporte
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